domingo, 20 de julho de 2014

O PAÍS, AS PESSOAS E AS CITAÇÕES QUE NOS ASSALTAM


 “Assim como o mandamento não matar põe um limite claro para assegurar o valor da vida humana, assim também hoje devemos dizer ‘não a uma economia da exclusão e da desigualdade social’. Esta economia mata. (…) O ser humano é considerado como um bem de consumo que se pode usar e deitar fora”. (Papa Francisco, Exortação Apostólica A Alegria do Evangelho, Novembro de 2013).

“As citações são como bandidos de berma da estrada que repentinamente surgem armados e tomam de assalto as convicções dos passantes.” (Walter Benjamim, in Rua de Sentido Único e Outros Escritos, 1928).

“Passante” quotidiano do (no) Público e nele, sempre, dos artigos de Frei Bento Domingues, as minhas convicções foram, no domingo (13/7/2014 – terceiro artigo da série Que trouxe de novo o Papa Francisco), “(re)assaltadas” por aquela sua citação do “argentino”.

Eu próprio me arrisco a “assaltar” as convicções dos leitores, citando, desse artigo, o seu autor: “A crise financeira que atravessamos faz-nos esquecer que, na sua origem, há uma crise antropológica profunda: a negação da primazia do ser humano”.

Aliás, esta citação de Frei Bento Domingues talvez até seja um segundo “assalto” a arreigadas convicções dos leitores, visto que – presumo – há muito que, nesse domínio, elas terão sido “assaltadas” por aquela antropocêntrica citação de há 2.500 anos: “O homem é a medida de todas as coisas…” (Protágoras). Ou por aquela, mais recente e escrita cá no “país”, no início do século passado: “Eliminem a palavra Humanidade e ficaremos cobertos de pêlo, num instante” (Teixeira de Pascoaes, in “Aforismos”, selecção de Mário Cesariny, 1998).

Reconheço que talvez também “continue com o quadro mental posicionado para voltar a repetir as asneiras feitas no passado" (Sr. Vítor Bento, Junho de 2014), pois que, (também) com esta mania das citações, continuo a “viver muito acima das possibilidades” (idem, Junho de 2005). Isto na medida em que “citar com abundância corresponde a malbaratar fortuna alheia” (Carlos Drummond de Andrade, in O Avesso das Coisas, 1987).

Mas, enfim, não resisto ao “assalto” de muitas (nem todas, claro) citações, até por influência de uma delas, “pragmática”, de há cerca de 2.000 anos: “O que quer que um outro disser bem, é meu” (Séneca).

E assim fico convictamente mais forte contra certos “bandidos da berma da estrada” que agora, em 2014, “estão a tomar de assalto as convicções”, a esperança, os direitos e até as vidas dos portugueses. Por exemplo, citações (ou melhor, o que social e “politicamente” lhes subjaz) como estas:

“O país está melhor”. “A vida das pessoas não está melhor mas a do país está muito melhor”. (Primeiro-ministro Sr. Pedro Passos Coelho e líder parlamentar do PSD, Sr. Luís Montenegro, 21/2/2014).

Fim de citação(ões).

J. Fraga de Oliveira

(In jornal PÚBLICO, domingo, 20/7/2014 – pag. 51)

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